Observo no mundo que tem gente que não gosta da escolher. Ou que apenas declara que não gosta de escolher, e daí segue como se esse comportamento não fosse já uma forma de escolha. Mas o ponto que trago agora é outro.
Nesses tempos de polarização parece ter havido muita pressão para que as pessoas escolhessem um lado do espectro político. Essa conjuntura se mostrou, de certa forma, catastrófica|: praticamente resumiu o debate ao tempero do ódio de lado a lado, reduzindo dramaticamente os hábitos de argumentação, enviesando tudo, o caldeirão das redes sociais, suas bolhas e fakenews em muitos sabores. Tanto que tornou não só o termo fakenews muito popular, mas como transformou mesmo a situação quase em um problema global. O que é fakenews? Como poderemos controlar socialmente esse fenômeno? Quem produz e dissemina fakenews precisa ser contido? Precisa ser punido?
Minha observação do mundo, empírica e limitada por definição, me permitiu observar que muitas pessoas se alinharam pra um lado ou outro do espectro político (p.ex. nas últimas eleições brasileiras), mantendo um discurso que poderia ser considerado quase como "não gosto de escolher, mas não tenho escolha". Posso estar sendo muito reducionista, mas acredito sinceramente que há um enorme contingente que poderia ser enquadrado nessa "atitude".
Se isso refletir mesmo uma posição social, reforça a condição "não gosto de escolher" da abertura desse texto. Assim produz um certo "afrouxamento" das barreiras internas das bolhas, reduz ainda mais as necessidades de argumentação e elimina muitas dos esforços que estão relacionados às escolhas que, naquele caso, representam o conduzir do futuro, a administração da coisa pública, etc, etc.
Utilizando uma imagem que também se popularizou nesse passado recente, a conduta que aparecia como "gado" representa muito fortemente essa condição. Ver gente rezando na parede de quartel do exercito, pedindo a volta da ditadura ou orando para pneu de caminhão transcende bastante uma mera visão do simbólico tradicional. Há mais a ser desdobrado, analisado, compreendido. Porém, desse mesmo grupo partiam críticas aos meios de comunicação (em geral aos hegemônicos), com o -raso- argumento de que estariam igualmente conduzindo gado, sendo esses os opositores do campo político ao qual se achavam alinhados.
De minha parte eu vejo que existe uma atitude clara de redução de riscos de cada indivíduo, de cada grupo pequeno, em sua atuação política. Em brevíssimo resumo: sendo submetido a tantas informações e dados, de tantas fontes e origens diferentes, cada pessoa se aproxima ao seu limite de "digestão" dos fatos, se tornando presa razoavelmente fácil de notícias manipuladas, viéses diversos, e assemelhados. E assim nos expomos ao risco social de estar desinformado, ou desatualizado, ou pior, mau informado (em contraste com o mal informado). E pelos reforços de viés de nossa bolha, melhor acreditar nos que nos estão próximos.
Só que as conexões sociais são muitas, e a presença maciça das redes sociais agora desenha a bolha com precisão maquiavélica (e diabólica!). Se essa condição aprofunda a divisão pela polarização política, nos permite ver que houve um processo de escolha, deliberado ou não, e que pode ser muito interessante se colocado na lupa das ciências sociais: foi preciso escolher em quem acreditar.
Muito pontos convergem aqui: desde as histórias de faz de conta que contamos às crianças, os tabus e mitologias que nos antecederam e os que permanecem, Adão e Eva inclusive, religiões, superstições e ignorâncias de toda sorte, todo o método científico e sua história...
Há aqui muito pano pra manga. Mas em algum ponto da vida de cada um de nós tivemos que escolher em quem acreditar. E dessa escolha não há como escapar.
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ah, tá: já tem mais alguém falando sobre isso...
Pelo menos aqui, ó:
https://www.youtube.com/watch?v=417DHVfxvao
(canal epifania experiência, título "Você (não) pode acreditar no que quiser"
vai lá ver e depois deixa teu comentário aqui. ou não, né?
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