Friday, October 19, 2018

A era das decepções.... parte 2: a decepção e a "'decepação"

PS: (pre scriptum...): Todo o início deste texto foi escrito em 25/03/2018.
Me impressionei com a semelhança afetiva sobre o que busco tratar, que é a manipulação midiática do processo eleitoral brasileiro.

(daqui....)
Recentemente eu sofri uma grande decepção pessoal.

E no quadro atual das condições de vida que me encontro (nos encontramos?), isso falou alto dentro de minha alma e provocou um aprofundamento da depressão que me ronda. Talvez o caso não seja o principal fator a discutir aqui, mas o fator "decepção" em si ficou latejando dentro de mim num nível tal que, mesmo ao cabo do pedido de desculpas que se seguiu - aceito, claro, posto que genuíno, me sacudiu a um ponto de me colocar frente à este evento com um desejo de equidistância para um evento também recente onde eu decepcionei evidentemente outros...

(...)
Mas mesmo perdoando a ação realizada que gerou a decepção, ainda restava dentro de mim a realidade da decepção. Alguém (neste caso, alguém que amo) realizou uma ação que me decepcionou. Esta constatação colocou em curso dentro de mim uma revisão de momentos que me senti decepcionado (contei muitos) e dos que percebi a decepção que causei em alguém (contei muito menos). Logo a seguir notei que minha maior lista era a dos meus próprios casos, em que decepcionei-me a mim mesmo, assim pleonasticamente reforçado.

A decepção então me pareceu uma reação anímica / psíquica sobre expectativas que temos sobre determinado comportamento. E devido à constatação de que a expectativa pode estar numa condição mais ou menos consciente do indivíduo, oferece uma camada espessa deste desafio, que é a apuração individual sobre a expectativa: porque tivemos esta expectativa, como é/foi nossa relação com o decepcionante.
(...até aqui!)

Então, seguindo:

A mídia empurrou a Dilma - e o PT para uma condição de execração pelo mote da corrupção onde é absolutamente óbvio que não é exclusivo deste partido. Impeachment e seu golpe continuado com as evidências posteriores tão fartas da sua articulação nem entrarão aqui em consideração.

Procuro tentar compreender e agir pela compreensão sobre alguns encontros que tive nas últimas semanas sobre a possível escolha de Bolsonaro para presidente deste país. Importante destacar que estamos hoje a 9 dias do segundo turno, no dia onde fica claro que a própria mídia começa a se escancarar sobre o caixa2 do Bolsonaro pra disparar esta campanha / infâmia.

Eu nunca ajudei o PT a chegar no governo federal. Após a virada do Lulinha paz e amor e a postura conciliatória que permitiu sua eleição em 2002, considerei que não era isto que levaria à mudança necessária, tendo não votado desde 1998 até 2018 em praticamente nenhum pleito. Agora venho procurando o debate com pessoas próximas (amigo antigo, pedreiro, parente), buscando interlocução contando esta história de minhas escolhas, tendo recebido várias vezes a resposta de que
"- eu sim, votei no PT, e por isso mesmo nunca mais quero isso de novo!".

Espero ter conseguido deixar bastante exposto o tipo de decepção que pretendo me debruçar a partir daqui, sendo explicitado: a decepção com minha escolha passada por governantes dentro de um "processo democrático de escolha" (assim entre aspas exatamente pela forma de participação das forças que, numa simplificação possível, são as mesmas que conduziram o processo de afastamento de Dilma da presidência para entregá-la ao Temer, com os argumentos declarados naquela hora). Ou seja, foco no que vou chamar de "PT nunca mais" como sendo os que já votaram antes no PT, excluindo propositadamente os que nunca votaram no PT, posto que estes não se decepcionaram na mesma medida desta escolha.

Lembro da campanha presidencial de 1989 (Lula x Collor), a primeira em muitos anos e a primeira que participei, onde o mote incluiu "o amor vai vencer o ódio". Ali comecei a ver a questão de como a expectativa sobre os resultados se forja neste processo, e o conflito que se segue após a apuração, onde o eleito (qualquer um, exceto fascistas) precisará imediatamente compor com a parcela da sociedade que escolheu o candidato derrotado (deveria ser a "proposta derrotada", mas....). Aqui se inicia um processo de frustração enorme, onde o candidato ganhador (qualquer um, exceto fascistas, lembra?) precisa imediatamente após ter sido escolhido pela maioria, iniciar uma curva em direção às propostas derrotadas, para compor uma governabilidade possível sem aprofundar uma ruptura maior na continuidade de qualquer projeto de nação possível.

INTERVALO AQUI:
Daqui surgem dois caminhos excludentes entre si: seguiremos compondo uma nação possível como fazíamos até este momento ou faremos uma revolução? Pelos projetos eleitorais todos que participei a proposta revolucionária de mudança do sistema vigente nunca teve maior eco proporcional, e por isso vou seguir colocando esta perspectiva como minoritária, independente de minhas convicções, sabendo que teremos que voltar à esta questão na escolha de candidato que se declara fascista.
FIM DO INTERVALO.

Tentando não estender muito uma ideia que já dá um tratado, vou colocar foco na criação da expectativa no processo eleitoral e a participação da mídia não só na criação desta expectativa mas especialmente na forma que as ações posteriores são apresentadas e justificadas. Os "PT nunca mais" viveram uma onda de frustrações percebidas como decepção de tal forma aprofundadas dentro de si que se tornaram uma das maiores armas de disputa eleitoral. Aqui aparece exatamente o que quero tratar:

Como será o processo de decepção destes eleitores com os resultados eleitorais vindouros?

Vamos viver isto juntos e será muito rico em observações sociais, e como o texto já agigantou, vou encerrar destacando nossa participação no processo de criação das expectativas nas escolhas participativas. Como é inequívoco a presença da consciência individual sobre este processo talvez tenhamos aqui uma fronteira na construção do elemento social, e em outra direção é evidente que o quê está sendo apresentado não poderá ser entregue pelo candidato favorito*, uma onda gigantesca de decepção está gerada.

Venho tratando nosso momento usando a metáfora da tsunami de 2004, quando o mar, ao adentrar muitas centenas de metros, as pessoas na orla entraram alegremente para catar conchas. Aqui a tsunami está indicando fortemente que esta onda de decepção será devastadora, em qualquer cenário previsível.

E a decepação do título?
Esta nós estamos já vivenciando em muitas frentes, desde os direitos constitucionais extirpados pelos golpistas alegremente suportados por alguns destes decepcionados, até as liberdades mais fundamentais que, estando no foco e centro das discussões do #elenão não foram suficientes nem para abrir o diálogo com os meus amigos mencionados...

Tuesday, October 9, 2018

Estômago 1

Qual é o papel da arte?

Calma, calma.... não vou entrar aqui neste mérito, mas tudo o que aqui for dito sobre este filme (Estômago, 2007  www.imdb.com/title/tt1039960) terá como pano de fundo uma vontade infinita de discutir esta questão filosófica, desde sempre e para sempre!

Mas como qualquer filme - quanto mais um filme nacional. E arretado de bom como esse! -  possibilita que a gente se encontre com nossos arquétipos sociais. E ainda mais: identificar os arquétipos que apoiam a construção dos nossos próprios, seja pela semelhança ou pelo contraste. 

O que eu quero expor e debater aqui é a lente que nos conduz na identificação destes arquétipos, ao assistir um filme. Passando pela identificação consciente ("esse personagem parece com tal amigo") e indo até a repulsa de fácil percepção, onde pode ser até difícil distinguir nestas repulsas o que eu consigo identificar de repulsivo em mim mesmo, o que me repulsa nas áreas que considero não precisar nem ver, seja porque  já "me livrei" daquela "repulsa original" ou porque seja simplesmente repugnante mesmo (será?).

Lembrei da cena onde a descrição da fonte de emanação do poder do personagem Bugio na cela da prisão foi descrita assim: "... manda nos outros porque faz umas coisas que nem sendo bem cruel mesmo as pessoas faz". Esta cena é encaixada logo após um close de repugnância alimentar, onde a comida está cheia de bichos no prato do personagem principal da trama, o Raimundo Nonato (daqui pra frente fica só RN, tá?). 

Repulsa, repugnâncias e demais coisas execráveis... que fartura de material para análise e auto conhecimento numa obra de arte... Parafraseando o próprio filme, lembrei do quadro Guernica e o mal estar profundo e perturbador que senti após uns 45 minutos olhando diretamente para aquilo tudo que está lá. E olha que nem tem assim tantos elementos no quadro gigantesco do tal Picasso citado no filme.

E cá pra nós, não terá sido pra isso mesmo que o Picasso construiu aquela sua obra? Terá sido este o papel e significado desejado de Guernica? Picasso é foda!

(a continuar na análise do filme...)