Friday, October 19, 2018

A era das decepções.... parte 2: a decepção e a "'decepação"

PS: (pre scriptum...): Todo o início deste texto foi escrito em 25/03/2018.
Me impressionei com a semelhança afetiva sobre o que busco tratar, que é a manipulação midiática do processo eleitoral brasileiro.

(daqui....)
Recentemente eu sofri uma grande decepção pessoal.

E no quadro atual das condições de vida que me encontro (nos encontramos?), isso falou alto dentro de minha alma e provocou um aprofundamento da depressão que me ronda. Talvez o caso não seja o principal fator a discutir aqui, mas o fator "decepção" em si ficou latejando dentro de mim num nível tal que, mesmo ao cabo do pedido de desculpas que se seguiu - aceito, claro, posto que genuíno, me sacudiu a um ponto de me colocar frente à este evento com um desejo de equidistância para um evento também recente onde eu decepcionei evidentemente outros...

(...)
Mas mesmo perdoando a ação realizada que gerou a decepção, ainda restava dentro de mim a realidade da decepção. Alguém (neste caso, alguém que amo) realizou uma ação que me decepcionou. Esta constatação colocou em curso dentro de mim uma revisão de momentos que me senti decepcionado (contei muitos) e dos que percebi a decepção que causei em alguém (contei muito menos). Logo a seguir notei que minha maior lista era a dos meus próprios casos, em que decepcionei-me a mim mesmo, assim pleonasticamente reforçado.

A decepção então me pareceu uma reação anímica / psíquica sobre expectativas que temos sobre determinado comportamento. E devido à constatação de que a expectativa pode estar numa condição mais ou menos consciente do indivíduo, oferece uma camada espessa deste desafio, que é a apuração individual sobre a expectativa: porque tivemos esta expectativa, como é/foi nossa relação com o decepcionante.
(...até aqui!)

Então, seguindo:

A mídia empurrou a Dilma - e o PT para uma condição de execração pelo mote da corrupção onde é absolutamente óbvio que não é exclusivo deste partido. Impeachment e seu golpe continuado com as evidências posteriores tão fartas da sua articulação nem entrarão aqui em consideração.

Procuro tentar compreender e agir pela compreensão sobre alguns encontros que tive nas últimas semanas sobre a possível escolha de Bolsonaro para presidente deste país. Importante destacar que estamos hoje a 9 dias do segundo turno, no dia onde fica claro que a própria mídia começa a se escancarar sobre o caixa2 do Bolsonaro pra disparar esta campanha / infâmia.

Eu nunca ajudei o PT a chegar no governo federal. Após a virada do Lulinha paz e amor e a postura conciliatória que permitiu sua eleição em 2002, considerei que não era isto que levaria à mudança necessária, tendo não votado desde 1998 até 2018 em praticamente nenhum pleito. Agora venho procurando o debate com pessoas próximas (amigo antigo, pedreiro, parente), buscando interlocução contando esta história de minhas escolhas, tendo recebido várias vezes a resposta de que
"- eu sim, votei no PT, e por isso mesmo nunca mais quero isso de novo!".

Espero ter conseguido deixar bastante exposto o tipo de decepção que pretendo me debruçar a partir daqui, sendo explicitado: a decepção com minha escolha passada por governantes dentro de um "processo democrático de escolha" (assim entre aspas exatamente pela forma de participação das forças que, numa simplificação possível, são as mesmas que conduziram o processo de afastamento de Dilma da presidência para entregá-la ao Temer, com os argumentos declarados naquela hora). Ou seja, foco no que vou chamar de "PT nunca mais" como sendo os que já votaram antes no PT, excluindo propositadamente os que nunca votaram no PT, posto que estes não se decepcionaram na mesma medida desta escolha.

Lembro da campanha presidencial de 1989 (Lula x Collor), a primeira em muitos anos e a primeira que participei, onde o mote incluiu "o amor vai vencer o ódio". Ali comecei a ver a questão de como a expectativa sobre os resultados se forja neste processo, e o conflito que se segue após a apuração, onde o eleito (qualquer um, exceto fascistas) precisará imediatamente compor com a parcela da sociedade que escolheu o candidato derrotado (deveria ser a "proposta derrotada", mas....). Aqui se inicia um processo de frustração enorme, onde o candidato ganhador (qualquer um, exceto fascistas, lembra?) precisa imediatamente após ter sido escolhido pela maioria, iniciar uma curva em direção às propostas derrotadas, para compor uma governabilidade possível sem aprofundar uma ruptura maior na continuidade de qualquer projeto de nação possível.

INTERVALO AQUI:
Daqui surgem dois caminhos excludentes entre si: seguiremos compondo uma nação possível como fazíamos até este momento ou faremos uma revolução? Pelos projetos eleitorais todos que participei a proposta revolucionária de mudança do sistema vigente nunca teve maior eco proporcional, e por isso vou seguir colocando esta perspectiva como minoritária, independente de minhas convicções, sabendo que teremos que voltar à esta questão na escolha de candidato que se declara fascista.
FIM DO INTERVALO.

Tentando não estender muito uma ideia que já dá um tratado, vou colocar foco na criação da expectativa no processo eleitoral e a participação da mídia não só na criação desta expectativa mas especialmente na forma que as ações posteriores são apresentadas e justificadas. Os "PT nunca mais" viveram uma onda de frustrações percebidas como decepção de tal forma aprofundadas dentro de si que se tornaram uma das maiores armas de disputa eleitoral. Aqui aparece exatamente o que quero tratar:

Como será o processo de decepção destes eleitores com os resultados eleitorais vindouros?

Vamos viver isto juntos e será muito rico em observações sociais, e como o texto já agigantou, vou encerrar destacando nossa participação no processo de criação das expectativas nas escolhas participativas. Como é inequívoco a presença da consciência individual sobre este processo talvez tenhamos aqui uma fronteira na construção do elemento social, e em outra direção é evidente que o quê está sendo apresentado não poderá ser entregue pelo candidato favorito*, uma onda gigantesca de decepção está gerada.

Venho tratando nosso momento usando a metáfora da tsunami de 2004, quando o mar, ao adentrar muitas centenas de metros, as pessoas na orla entraram alegremente para catar conchas. Aqui a tsunami está indicando fortemente que esta onda de decepção será devastadora, em qualquer cenário previsível.

E a decepação do título?
Esta nós estamos já vivenciando em muitas frentes, desde os direitos constitucionais extirpados pelos golpistas alegremente suportados por alguns destes decepcionados, até as liberdades mais fundamentais que, estando no foco e centro das discussões do #elenão não foram suficientes nem para abrir o diálogo com os meus amigos mencionados...

Tuesday, October 9, 2018

Estômago 1

Qual é o papel da arte?

Calma, calma.... não vou entrar aqui neste mérito, mas tudo o que aqui for dito sobre este filme (Estômago, 2007  www.imdb.com/title/tt1039960) terá como pano de fundo uma vontade infinita de discutir esta questão filosófica, desde sempre e para sempre!

Mas como qualquer filme - quanto mais um filme nacional. E arretado de bom como esse! -  possibilita que a gente se encontre com nossos arquétipos sociais. E ainda mais: identificar os arquétipos que apoiam a construção dos nossos próprios, seja pela semelhança ou pelo contraste. 

O que eu quero expor e debater aqui é a lente que nos conduz na identificação destes arquétipos, ao assistir um filme. Passando pela identificação consciente ("esse personagem parece com tal amigo") e indo até a repulsa de fácil percepção, onde pode ser até difícil distinguir nestas repulsas o que eu consigo identificar de repulsivo em mim mesmo, o que me repulsa nas áreas que considero não precisar nem ver, seja porque  já "me livrei" daquela "repulsa original" ou porque seja simplesmente repugnante mesmo (será?).

Lembrei da cena onde a descrição da fonte de emanação do poder do personagem Bugio na cela da prisão foi descrita assim: "... manda nos outros porque faz umas coisas que nem sendo bem cruel mesmo as pessoas faz". Esta cena é encaixada logo após um close de repugnância alimentar, onde a comida está cheia de bichos no prato do personagem principal da trama, o Raimundo Nonato (daqui pra frente fica só RN, tá?). 

Repulsa, repugnâncias e demais coisas execráveis... que fartura de material para análise e auto conhecimento numa obra de arte... Parafraseando o próprio filme, lembrei do quadro Guernica e o mal estar profundo e perturbador que senti após uns 45 minutos olhando diretamente para aquilo tudo que está lá. E olha que nem tem assim tantos elementos no quadro gigantesco do tal Picasso citado no filme.

E cá pra nós, não terá sido pra isso mesmo que o Picasso construiu aquela sua obra? Terá sido este o papel e significado desejado de Guernica? Picasso é foda!

(a continuar na análise do filme...)

Thursday, September 20, 2018

Risco e eu


Partamos de uma condição bem contemporânea da percepção individual.
Daí aparece um problema, qualquer problema, digamos eu preciso de uma mala. Aqui já aparece uma diferença bem interessante das pessoas: algumas pessoas aparentemente só se deram conta no momento em que notam que já precisam da mala, e este tendem à lançar mão dos recursos que estiverem disponíveis naquele momento. Outras pensam na mala ainda como dentro das possibilidades futuras, toas as possibilidades e este quer ter uma mala de reserva pra qualquer eventualidade.
Estes são extremos, mas sob tal perspectiva podemos pensar que cada um de nós está mais perto de um destes pontos do que de outro. E mais, para cada assunto pode haver uma diferença expressiva sobre esta proximidade.
Agora vamos para o campo das pessoas. Pense num pequeno grupo, uma relação de duas pessoas, três, quatro pessoas no máximo. Cada um tem percepção diferente com relação a isso. No campo das percepções teremos um mundo inteiro, ela pode ser chamada de percepção do risco global do cenário, da avaliação social do risco, e um monte doutras aspectos,  mas prefiro deixar pra ver isso depois, e tentar entrar em como estas percepções atuam em cada um e seu impacto bem notável na fundamentação do medo.
Uma das correntes que puxa forte para um dos lados é o medo. Medo, só isso. A psicologia tem muita pra ajudar aqui e eu ficarei raso, sob risco (?) de levar pedrada. To nessa. Mas se colocarmos o medo lá na ponta, a gente acaba achando mesmo o medo superior de todos, que deve ser mesmo o medo da morte. E na outra ponta, aquela ponta de aventureiro que todos nós sentimos puxar lá dentro pra fazer alguma coisa arriscada, "o destemido aventureiro", que não tem medo de nada (ou pelo menos diz e aparenta mesmo não ter medo de nada, afinal arquétipo que é).
Até aqui espero ter construído um cenário pra gente prosseguir juntos....

1) Controle
 vou escolher começar pelo controle. Quem prevê uma coisa, que a partir de agora vou chamar de evento, (no caso da mala, seria o evento final proposto “usar uma mala”), e deseja se antecipar a ela, por qualquer razão assumida ou não, consciente ou inconsciente, vai se deparar com a questão do controle.
Como já ficou textão, vou trocar logo a mala que eu queria pela questão financeira num casal, pra gente ver onde isso pode parar.... As decisões de quase todo dia podem ter impacto muito diferente nas maneiras de cada um perceber seus medos e os do outro (e seus riscos), na tomada de decisão em si, e especialmente sensível, ainda que pouco percebido, é na questão da poupança e investimentos de qualquer recurso que se perceba escasso. E aqui o controle aparece de forma tal que, por sua imersão e contundência nos mundos atuais de concentração de riquezas, este passa a permear boa parte da relação do indivíduo, consigo próprio, com parceiros, com os outros, com a própria vida....
Controlar ou não uma variável qualquer....? Fluir, fruir ou influir...?

Monday, April 2, 2018

O mecanismo (... e a superfície discursiva)

O mecanismo que irei me referir talvez tenha melhor uso analítico do que o José Padilha propõe (e melhor: tentando ligar ao malfadado produto por ele criado). O que vou tentar abordar de forma curta, mas querendo mais (debate, aprofundamento, idéias, ação) é a atuação deliberada da indústria dominante da mídia na manutenção de uma massa de manobra mínima, de forma que possa influenciar decisivamente aos menores custos os movimentos da sociedade na direção de seus interesses.
Simplificando, mais ou menos assim:

1. convencer um monte de gente é complicado.
2. se eu mantenho dois grupos em confronto permanente, para atingir uma maioria simples sobre determinado assunto precisarei influenciar apenas uma pequena percentagem para definir a posição.

Não tenho bases acadêmicas sobre isso (agradeço desde já referências pelo sim e pelo não).

Desde antes das eleições de 2002 eu observo a cena com este conceito, e a observação deu bastante pistas sobre como isso vem sendo feito. Precisamos transitar com cuidado pois temos muitas (e relevantes) variáveis em campos bem estudados como comunicação, sócio política, psicologia social entre diversos outros. Entretanto neste mundo de fb e assemelhados (assimilados?) percebo que o desenvolvimento das idéias entre pares poderá ter impacto comparável com o aprofundamento acadêmico nas decisões sociais de ciclo curto (entre estes, as eleições deste nosso tipo de democracia). Assim, e ainda por não termos tempo de estudar tudo o que gostaríamos, pretendo deste espaço uma "ágora" de aprendizado coletivo sobre assuntos relevantes, numa abordagem um pouco abaixo da superfície, onde possamos nos sentir seguros em debater, se mover por arenas diferentes e colaborar no entendimento individual dos assuntos em pauta, convidando pares à reflexão, e assim colaborar para definir as posições individuais e um discurso não vociferante, não polarizante, através de um pouco mais de reflexão e consciência sobre o impacto de nossas escolhas, de nossas palavras e das forças que nos mantêm nesta superfície discursiva.

 A teoria em debate me deixa entrever que:
A) a decepção é um afeto fundamental na manutenção do status quo,
B) onde se consegue manter 2 grupos de tamanho relevante decepcionados com a mesma coisa, mas em condições de oposição raivosa, o trabalho de manipular uma parcela pequena para definir o destino desta coisa será menor do que o esforço de convencimento por argumentação (na verdade muito menor, e ainda mais flexível, posto a decisão pode estar à venda a qualquer momento, pelo maior lance), desde que eu possa influenciar este grupo numa ou noutra direção;
C) a profundidade da decepção individual mantém afastado uma parcela significativa que poderia contribuir no debate de forma mais franca e verdadeira;
D) o grau de desgosto (podemos pensar em raiva, pra facilitar) atua de forma e como que "balancear" as bordas deste tecido nas duas direções;
E) o tamanho do grupo a mover numa ou noutra direção será então proporcional à polarização desta trama, à rigidez dos posicionamentos individuais alinhados aos focos e a uma incerta flexibilidade / docilidade deste grupo reduzido;
F) a energia necessária para este convencimento também está relacionada com o que vou chamar de "grau individual de autonomia deliberativa", (sob o risco de vaias de toda espécie), e que procura representar quanto um indivíduo é apegado às suas convicções versus o influenciamento lateral pelos seus contatos - e portanto, agente redutor da exposição às mídias dominantes.

Acredito que aqui já chegamos numa profundidade suficiente para discutir a decepção como afeto fundamental neste processo: seja com candidato X, Y ou Z, seja com o sistema todo em si, seja como uma revisão do meu próprio comportamento na decisão passada sobre o meu voto de confiança em qualquer instância, posto que a decepção trata exatamente disto: coloquei meu voto de confiança aqui e me decepcionei.

E Kiko? Ainda não tenho claro o caminho, mas algumas luzes me guiam:
  • a vociferação corrente (em qualquer das direções) parece colaborar e muito nesta situação, diminuindo a energia necessária para controlar um grupo de tamanho relevante;
  • este processo parece realimentar ciclos polarizantes, cujo destino na maior parte das vezes tem cunho fascista (ou extremista, como dizem alguns);
  • numa perspectiva global (ou nacional), que contenha um número muito grande de indivíduos, haverá sempre novos entrantes no processo e mudanças de opinião de lado a lado, e o enrijecimento da polarização é interessante para retardar a mudança de sua própria estrutura 
  • o grupo que detêm a maior força no design do processo da decepção -coletiva e individual, e ainda na sua condução coletiva- terá enorme influência nas decisões públicas (portanto políticas), sob o menor custo possível sempre que dois grupos hostis entre si se equivalham em proporção.
Ficaram de fora para exploração futura: 
Os processos que demandam maioria qualificada, como são afetados nestas perspectiva?
E o que eu faço agora que a maior parte de meus contatos polarizados no fb já foram "expurgados"? 




Sunday, March 25, 2018

A era das decepções - o que sobra depois da decepção?

Alguém que amo me decepcionou. Depois pediu desculpas -que aceitei, incluindo uma declaração de que o desculpava por o amar. Mas confesso que, ainda assim, sigo como que se estivesse encantado pelo sentimento da decepção...

Então me encontro na bifurcação: amo e quero conviver, mas não tenho vontade de me sentir decepcionado novamente, e daí procuro evitar a convivência.

Sem ingenuidades sobre as razões e fundamentos das decepções (que deverão ser tratados oportunamente), o caso é que alguém que amo fez alguma coisa que me ofendeu profundamente, por violar um princípio que eu considero (ou considerava até então) "sagrado" entre nós. E em seu pedido de desculpas o que veio foram as fundamentações de sua atitude onde, aqui numa super simplificação, o motivador de sua atitude que me decepcionou foi uma ofensa à ele -na verdade até bem pior: uma ofensa ao seu filho. Acho que dá pra encaixar aqui, ainda que não declarada assim, uma clara decepção que causei em meu amado neste episódio.

Outro alguém que amo me pergunta: "agora não é exatamente a hora do exercício da empatia e compaixão?"
Compaixão, no Aurélio sec XXI: "Pesar que em nós desperta a infelicidade, a dor, o mal de outrem; piedade, pena, dó, condolência." Não me sinto em falta de compaixão. A quantidade de vezes que choro ao me deparar com o sofrimento alheio e tal que as vezes acho que sofro de excesso, ou de falta de escoamento mais sadio para isto.

Não há falta de compaixão. O pesar que segue dentro da minha alma é enorme, apesar de o aceite do pedido de desculpas me ser sincero e profundo. E também sigo profundamente afetado pela dor que sinto ao perceber a dor dele e a dor deste seu filho, e em razão da qual, de uma forma ou de outra, sempre procurei nortear minhas atitudes dentro destas relações. Mas algo dentro ainda dói latejante.

Se realmente dei causa a uma ofensa (da qual também já pedi desculpas), a dor aparece onde fiz alguma coisa com determinado propósito e fui recebido com a percepção quase oposta ao propósito inicial, e portanto, desajeitado que sou, não tenho ânimo pra voltar a conviver antes de me melhorar a este respeito.

Se, por outro lado, a ofensa que senti veio por desajeito de meu amado, e ele tem uma justificativa aceitável pra ela (no caso a retribuição de uma ofensa), me envergonho ainda mais pela percepção de que meu amado me vê como alguém capaz de fazer alguma coisa reprovável com seu filho, ao ponto de o descontrolar.

Minha visão do perdão, alimentada pela antroposofia, pode ser vista mais ou menos assim: perdoar significa assumir o carma do outro, liberando forças espirituais cósmicas para tarefas voltadas ao futuro, e não compensatórias do passado. Não me sinto em falta de perdão. Desejo mesmo que ele siga em paz e serenidade pelo seu caminho, e onde for possível pra mim, assumir seu carma onde nosso encontro o pede, e mais ainda: quero fazê-lo. E talvez não fosse esta mesmo a intenção inicial da atitude que acabou gerando todo este imbroglio?

Então o que sobra depois da decepção?

Depois da decepção sobra inequivocamente o amanhã e todas as armadilhas das novas decepções que virão.

Para mim e este amado, resiste a necessidade de uma revisão em nosso acordo de convivência, onde as ofensas sejam melhor evitadas; e se percebidas, melhor enfrentadas. Mas até aqui ficamos apenas nas atitudes geradoras das decepções, enquanto ofensas percebidas. E todas as expectativas que formam a base das decepções?

Se não há desejo de conviver, talvez o tempo demande outras perspectivas. Talvez a vontade kantiana de enfrentar o dragão apesar do desejo contrário a isso seja o combustível pra o passo decisivo. Talvez somente a terapia possa dar conta desta situação.

Pra mim sobra o paradoxo da necessidade inexorável de entender melhor isso, talvez escrever mais, estudar mais, enfim, me preparar melhor para viver em um mundo onde eu acreditei que estaríamos sempre em processo de melhora continuada, e... me decepcionei!


                                       
Do livro O significado oculto do perdão, Sergei Prokofieff, Ed Antroposófica:
"
Ao abordar aqui o tema do perdão, objeto de pregações geralmente religiosas, Sergei Prokofieff extrapola o mero âmbito da salvação pessoal para adentrar o do individualismo ético, caracterizado por Rudolf Steiner em A FILOSOFIA DA LIBERDADE.


Ressaltando o fato de que perdoar significa assumir o carma do outro, liberando forças espirituais cósmicas para tarefas voltadas ao futuro, e não compensatórias do passado, o Autor nos faz refletir sobre o quinhão de egoísmo que normalmente alimenta as ofensas e ressentimentos alegados na recusa em perdoar.

Dando vários exemplos de pessoas que foram capazes de perdoar em situações terríveis, ele desafia a coragem para a auto-superação e o sincero empenho no desenvolvimento humano geral, com base no amor e na liberdade."

Monday, February 26, 2018

sobre minha mãe, para Elisa

eu gosto de ler as coisas que a Martha Medeiros escreve. Gosto mesmo.

Num mundo vociferante e dividido, acho que ela encontrou um lugar de escrita e compartilhamento que pra mim se revelou gentil, sensível e inspirador.E por isso mesmo fiquei com vontade de comentar um texto dela que me veio por grupo no whatsapp.

O tal texto tem como título "O mundo não é maternal" (link ao final) e vai tecendo com alguma leveza as comparações entre as preocupações e olhares "de mãe" e "do mundo". Todas as licenças poéticas são permitidas e aqui não estou para perturbar a ordem nem tirar a graça de quem gosta da Martha (eu gosto também, já disse!). Mas como tenho feito de meu tempo à escrita uma tentativa de contribuição para uma mistura mais bacana de um mundo à frente (e aqui já coloquei a minha licença poética em minha vidraça...)

E levando um pouquinho adiante a metáfora desta possível mistura legal, lembro que alguns temperos que usamos na cozinha simplesmente não vão bem com outros, seja por mistura de sabores, seja por incompatibilidade digestória ou outros conhecimentos ainda, mas que a minha experiência já registrou que não devo mesmo misturar algumas coisas que não me vão bem.
Aqui começa a aparecer o grande risco que pretendo expor: tem coisas que a gente não sabia antes que misturadas ficam super legais e acaba virando uma grande novidade (minha contribuição para a culinária alcoólica universal: gelatina feita com vodka; gostosinha, desce fácil e -cuidado- bate que é uma beleza...) Outras misturas só fazem mal pra algumas pessoas, enquanto outras podem até ser venenos pra uns e elixir pra outros, não é?
Então, na alquimia da mistura de pensamentos (e sua exposição, seja escrita ou em qualquer outra) oferece a quem lê imensas e maravilhosas possibilidades, potencializada quase ao infinito nas redes sociais e nestes tempos de comunicações 'fast food' tipo face book, whatsapp etc... Daí a virar pensamento e conclusão fast food é um passinho.

O saudável exercício da observação, releitura e crítica pode -e eu desejo e me esforço que seja- ser um tipo de bate papo pra gente olhar de novo a questão e afinar nosso olhar, nossa escuta e nossa fala, buscando compartilhar também as misturas que estão fazendo bem à nossa digestão social e outras que nem tanto...

Finalmente cheguei ao prato onde a mistura não bateu bem: generalizações do tipo "O mundo quer que a gente torre nossa grana", ou "O mundo nos olha superficialmente" vem sendo utilizada com muita frequência e com objetivos que já foram estudados: ao se generalizar desta forma estamos condicionando certas respostas em um nível de compreensão que dificulta, atrapalha e confunde uma (re)leitura da situação e seu consequente aprofundamento tanto em nós mesmos (que nos sentimos como que compelidos a nos vermos assim também), como aos demais (porque enquanto "o mundo é assim" ou nós não enxergamos direito o mundo que é assim, ou pior, o mundo é assim e eu é que sou defeituoso!).

Creio que entendo tanto o que a Martha quis dizer, como o que a Elisa quis repassar, mas preciso muito de  acreditar que o mundo não é assim. O mundo não é necessariamente assim. E se não é necessariamente assim, o mundo não é assim pra mim.
O mundo na leitura que faço deste texto, o mundo que ela construiu é o resultado de um sistema perverso e continuado que precisamos encontrar forças pra mudar. Estas forças são as forças individuais, claro, mas são também e principalmente as forças sociais que se organizam dentro do próprio sistema, por nós mesmos, mas sob um pressão enorme de interesses que ao fim e ao cabo, impedem que mudanças neste mesmo sistema aconteçam de forma mais profunda e mais rápida. E uma dos principais artifícios é justamente.... as generalizações deste tipo em textos pra todo gosto! Cuidemos pois! Não será nos voltando para nossas mães que iremos alcançar qualquer mudança significativa daquele mundo apresentado (exceção honrosa pras mães da praça de maio, exemplo de exigência de mudança no mundo que podemos contrapor). E teria mais, mas acho que chega né?

Então queridas Martha e Elisa, sem discordar do conteúdo e significado do texto, que tratando dos carinhos e preocupações das mães, me trouxe à lembrança episódio recente com minha mãe: em seus 92 anos de idade e já meio alquebrada (por este mesmo mundo) porém com um enorme e lindo sorriso, falou pra mim junto à um irmão: "querem um conselho: tenham filhos!"




O texto da Martha:
https://www.facebook.com/search/top/?q=%C3%89%20bom%20ter%20m%C3%A3e%20quando%20se%20%C3%A9%20crian%C3%A7a%2C%20e%20tamb%C3%A9m%20%C3%A9%20bom%20quando%20se%20%C3%A9%20adulto.

Aqui completo:
"O mundo não é maternal
É bom ter mãe quando se é criança, e também quando se é adulto. Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, mas é erro de cálculo. Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passamos fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu, não o nosso.
O mundo quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro. Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito. Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos, com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.
O mundo nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar a ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.
O mundo quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades. O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir. O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego. Para o mundo, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se trumbica. Quem com ferro fere com ferro será ferido. O mundo não quer saber de indivíduos, e sim, de slogans e estatísticas.

Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta, exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo. Mãe é de graça.
ATENÇÃO: 
Martha Medeiros não participa de redes sociais. Todas as fanpages de Martha 
Medeiros na internet são gerenciadas por fans, assim como você."


sugestões de leitura:
Toda generalização é burra?
http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2013/06/4358/toda-generalizacao-e-burra/

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA DECRETAÇÃO DAS PRISÕES PREVENTIVAS COM FUNDAMENTO NA ORDEM PÚBLICA E O INTUITO DE MITIGAR O CLAMOR SOCIAL
http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2013/3-2.pdf


Friday, February 9, 2018

Desserviço

Assisto estarrecido o desenrolar de coisas que, para mim, estão razoavelmente evidentes - para quem deseja enxergar além da uma superfície bastante fina (apesar de uma qualidade desta superfície seja justamente se assemelhar ao "espelho" que a superfície da água apresenta, e que desafia olhar além para o outro lado desta mesma superfície....)
...
Não gosto do conceito "valor agregado" pelo uso que o desgastou, pelo fato de demandar a definição de valor, e ainda pelo risco de uma interpretação corporativa, onde o termo se alastrou de forma insidiosa e atua de uma forma bastante doutrinária e míope, como se todas as atividades tivessem que agregar valor sempre, e, portanto, atividades como fazer coco seriam não agregadoras de valor...
Mesmo correndo estes riscos todos, vou usar o tal "agregar valor" numa tentativa de redução ao que podemos pensar em (re)construir da nossa sociedade: um valor que possa ser reconhecido honestamente por qualquer um como humano e relevante; e agregar como uma opção consciente de trazer à discussão alguma proposta ou argumento que foque no construir, em oposição ao destruir.
...
Depois desta introdução grande, o tema que me traz se baseia na saída da filósofa Márcia Tiburi de um programa de rádio, como reação à chegada de Kim Kataguri no estúdio (links no final do post).
Resuminho: em estúdio, a filósofa e autora de alguns livros vê a entrada - sem ser avisada previamente - deste rapaz líder do movimento MBL, e ato contínuo, imediatamente se retira avisando que não compartilharia a mesa com ele. O "mediador" se desculpa em seguida, comentando que poderia ter avisado, e o programa segue (confesso que só vi este vídeo abaixo e portanto, somente o pedacinho que contém o evento narrado).
...
Teríamos um montão de pontos pra desenvolver, mas vou ficar somente nos comentários, vociferações e comemorações que fervilham na rede sobre o fato de o livro mais conhecido da filósofa ter o título "Como conversar com um fascista" e a alegada contradição por ela se retirar, ao invés justamente de enfrentar e aproveitar a situação e por em prática suas idéias.
Não conheço a filósofa por mais do que uma rápida leitura justamente deste livro, que não me chamou especialmente a atenção pelo conteúdo, mas pela exposição do crescimento da "energia fascista" no mundo, no Brasil e entre jovens.

Um Bruno Marques (que confesso não conheço) publicou um extenso e bem articulado post no facebook recheado de citações filosóficas onde desconstrói a posição e a decisão dela de não seguir com um "debate" não previsto. Achei razoável a defesa dele, mas o ataque à índole da filósofa (e a escolha de exemplos óbvios) que evidencia sua posição política acende um alerta de posicionamento claramente... fascista!
E aqui está o cerne do desserviço do título, que tem pessoas como o Bruno (que tem argumentação sólida) e se espalha para pessoas (alguns meus amigos) com comemorações e execrações da filósofa baseados numa clara patrulha ideológica, que não respeita sua liberdade de escolher fazer o que bem entender, no caso a saída de uma condição que a ofendia, e da qual eu reconheço que tem este direito inalienável. Acrescento que pessoalmente também me frustrei, pois gostaria de ver este debate, mas isso não pode me levar a comentários desonrosos desta escolha, que por outro lado entendo também.

Para encerrar, o que mais me dói mesmo é ver amigos (amigos?) compartilhando e elevando o tom por uma postura fascista: isso realmente me preocupa muito neste momento de divisão visceral de nosso país.
Aqui vou simplificar com o tal paradoxo do Karl Popper (recomendo que encaminhem ao Bruno)

Da Wikipedia:
O filósofo Karl Popper definiu o paradoxo da tolerância em 1945 no volume 1 do livro The Open Society and Its Enemies:[1]
"Menos conhecido é o paradoxo da tolerância: tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes."
E pedir pra cada um dos que vociferam e comemoram (a favor ou contra o Sergio Moro), que parem e reflitam se suas atitudes estão contribuindo para construir ou para destruir em seu pequeno círculo de influência que angariamos no mundo.
E por fim, relendo o próprio Bruno, com cuidado e cautela, "Como você escolhe suas referências?"

video do fato:
https://www.youtube.com/watch?v=Wm4DSVVuJLE
Post do crítico embasado filosoficamente:
https://www.facebook.com/bruno.marques.585?hc_ref=ARQNz1rlbsV5IcUgpfK_XMfopj5cpLqIaq6-p59isg49oVT-mNSKHE-eRP3eBhxra3g&fref=nf&pnref=story

Sunday, February 4, 2018

Partindo a Escola

Observando mensagens digitais sobre o papel da escola, me dei conta de como estamos ainda muito heterogêneos e primários num debate desta magnitude. Muitas portas (boas) de entrada, como p. ex., que escola queremos, qual deve o papel do professor nas diferentes faixas etárias, qual remuneração (e qual sistema de incentivo) deve ser considerado para os professores, etc, e nós, docilmente conduzidos pela agenda midiática, ficamos vociferando lados e amedrontando (ainda mais) uma classe profissional que tem um papel altamente relevante e desafiador na construção do futuro.

A introdução já ficou mais longa do que eu gostaria, então vou inaugurar um "label" (Valeriana) para este tema e pretendo criar posts curtos, como possíveis respostas para mensagens que recebo sobre o assunto, tanto de pessoas que tem uma posição aparentemente alinhada com a minha, como de pessoas que eu tenho afetividade, e defendem posição diametralmente oposta...

E você, o que tem pensado sobre o assunto?
E mais ainda, como tem influenciado seu entorno sobre este assunto: tentando impor sua visão, perguntando as razões do outro, chamando pro debate ou simplesmente vociferando?

em tempo, do Aurélio Sec XXI:
Vociferar: [Do lat. vociferare.]
V. t. d.
 1. Proferir em voz alta ou clamorosa; clamar, bradar, exclamar: &  & 
V. t. i.
 2. Dizer coisas desagradáveis; dirigir censuras ou reclamações: & 
V. int.
 3. Falar colericamente: & 
 4. Berrar, bramir.

PS: post de abertura dedicado ao debate corrente (atrasado, né?) sobre o projeto "escola sem partido", em "desenrolamento" cruel pelas redes sociais

PS2: link de entrevista do prof Clovis de Barros Filho sobre o assunto (23 min)
https://www.youtube.com/watch?v=aXdNmE5Zoqw

Re Partida

Depois de despedir, retornar parece uma aventura anacrônica... Mas necessária e desejada há algum tempo.
...
Como foco e novo desafio: a observação de uma nação partida ao meio, e a avaliação de que muito disso decorre de uma atuação deliberada de grande parte da mídia, atendendo a interesses específicos.
Uma curta sentença como esta, no cenário atual, acredito que já será suficiente para provocar reações exacerbadas em muita gente que considero importante na minha formação e referência sobre os aspectos mais amplos do mundo...

Assim, este exemplo consolida o propósito de buscar um caminho de diálogo, esclarecimento mútuo e troca / compartilhamento afetivo / cognitivo com quem está por perto, mas que ficou longe (aqueles que acabamos bloqueando no face book, por exemplo), e de quem divergimos em coisas que podem ser conversadas, mas que ficaram "encapsuladas" na agenda corriqueira daquela condição "pró" x "contra", como se a vida fosse simplificável desta maneira, e por conseguinte, que os possíveis caminhos para os graves problemas que afinal concordamos podem ser achados num sistema sim/não, concordo/discordo, certo/errado, prende/não prende que por fim nada contribui na construção de um caminho possível, seja na minha utopia, seja na tua ou daquele nosso quase ex-amigo que agora está muito mais afastado do que já esteve....