Friday, October 7, 2022

Nossos pais


apalermados 

diante do mistério

da revelação, da responsabilidade, da beleza

idiotizados pelo mundo circundante

enfrentando a cidade 

movediça dos sonâmbulos na direção

perdendo as saídas, as entradas

do mundo que se faria

que se fará

onde poderemos ser pais

ter paz

tentando ser heróis 

desse mundo

a confundir os mundos, 

imundos

engarrafados no caminho 

dos nós

brilhando aos outros, 

perdidos de nós

a buscar, 

a tentar, a tentar

uma vida menos medíocre 

aqui,

ali ou acolá

acolher, 

a colher, 

na colher 

ou na pá

o que precisa 

de ser escavado, 

ser escavado...

ser escavado 

à luz do dia

ou na treva noturna, 

lugar do herói

amedrontado, 

fugidio

das muitas 

muitas muitas

incertezas de hoje

de ontem 

e de sempre

participar, 

ser, 

ter, 

conter, 

poder

partilhar

o que não há

como

como

se o mundo de hoje

refletisse o de ontem

e como se não

olhar para trás

e ver, 

verificar, 

ver e ficar

pasmo, 

abestalhado

como nossos pais

apalermados!




inspirado pelo filme Toscana, no Netflix

Saturday, January 22, 2022

tic........

 na foto tudo parece igual... já parecia antes, mas agora, parou; e parado, reune o que separou, conecta pontas de tempos distintos e (re)move ilusões que pareciam somente minhas antes.

na foto tudo mudou. mudou me a mim, a ti, a ela, que sendo o que foi, sendo a que foi, ficou sendo. só.

na foto tudo mudou. o suporte físico, a química, o quarto escuro, a pinça pendurada, o exaustor barato, a luz vermelha. agora corre quarto de segundo entre o antes e o depois, já sem meia graça, sem graça, sem meia

na foto tudo mudou. nariz cresceu, cabelo caiu, dente quebrou, cara quebrou, ruga marcou, pele manchou... brilho resiste, insiste

o contraste parece querer ser tudo, ser todo. os delicados cinzas do ansell que me mostraste desvaneceram ainda mais... restaram na cabeça

as cópias rarearam, leicas rarearam, wilmas rarearam, marílias rarearam... e nós mesmo, rareamos

agora o instantâneo, ultra multiplicado por zilhões, congela o instantâneo num tudotodos de nemninguém que o sorriso congela, a dor congela, a garça congela, a graça congela 

a foto vira filme, vira stream, virestrim, remédio de(s)memória 

a foto, que ninguém viu, essa ficou. em mim, em ti. na lembrança do que senti, do que pensei que sentias, no que senti que sentias

e assim, em mim, fica também em ti. e nela, e nele. e afinal, em todos aqueles que a foto estampou, destampou. na parede da memória

a casca sagrada do agora. na fina camada que reveste o olho, eu olho. para o que ficou, para o que mudou, para o que muda, muda o que para.

muda. a foto.