Monday, April 2, 2018

O mecanismo (... e a superfície discursiva)

O mecanismo que irei me referir talvez tenha melhor uso analítico do que o José Padilha propõe (e melhor: tentando ligar ao malfadado produto por ele criado). O que vou tentar abordar de forma curta, mas querendo mais (debate, aprofundamento, idéias, ação) é a atuação deliberada da indústria dominante da mídia na manutenção de uma massa de manobra mínima, de forma que possa influenciar decisivamente aos menores custos os movimentos da sociedade na direção de seus interesses.
Simplificando, mais ou menos assim:

1. convencer um monte de gente é complicado.
2. se eu mantenho dois grupos em confronto permanente, para atingir uma maioria simples sobre determinado assunto precisarei influenciar apenas uma pequena percentagem para definir a posição.

Não tenho bases acadêmicas sobre isso (agradeço desde já referências pelo sim e pelo não).

Desde antes das eleições de 2002 eu observo a cena com este conceito, e a observação deu bastante pistas sobre como isso vem sendo feito. Precisamos transitar com cuidado pois temos muitas (e relevantes) variáveis em campos bem estudados como comunicação, sócio política, psicologia social entre diversos outros. Entretanto neste mundo de fb e assemelhados (assimilados?) percebo que o desenvolvimento das idéias entre pares poderá ter impacto comparável com o aprofundamento acadêmico nas decisões sociais de ciclo curto (entre estes, as eleições deste nosso tipo de democracia). Assim, e ainda por não termos tempo de estudar tudo o que gostaríamos, pretendo deste espaço uma "ágora" de aprendizado coletivo sobre assuntos relevantes, numa abordagem um pouco abaixo da superfície, onde possamos nos sentir seguros em debater, se mover por arenas diferentes e colaborar no entendimento individual dos assuntos em pauta, convidando pares à reflexão, e assim colaborar para definir as posições individuais e um discurso não vociferante, não polarizante, através de um pouco mais de reflexão e consciência sobre o impacto de nossas escolhas, de nossas palavras e das forças que nos mantêm nesta superfície discursiva.

 A teoria em debate me deixa entrever que:
A) a decepção é um afeto fundamental na manutenção do status quo,
B) onde se consegue manter 2 grupos de tamanho relevante decepcionados com a mesma coisa, mas em condições de oposição raivosa, o trabalho de manipular uma parcela pequena para definir o destino desta coisa será menor do que o esforço de convencimento por argumentação (na verdade muito menor, e ainda mais flexível, posto a decisão pode estar à venda a qualquer momento, pelo maior lance), desde que eu possa influenciar este grupo numa ou noutra direção;
C) a profundidade da decepção individual mantém afastado uma parcela significativa que poderia contribuir no debate de forma mais franca e verdadeira;
D) o grau de desgosto (podemos pensar em raiva, pra facilitar) atua de forma e como que "balancear" as bordas deste tecido nas duas direções;
E) o tamanho do grupo a mover numa ou noutra direção será então proporcional à polarização desta trama, à rigidez dos posicionamentos individuais alinhados aos focos e a uma incerta flexibilidade / docilidade deste grupo reduzido;
F) a energia necessária para este convencimento também está relacionada com o que vou chamar de "grau individual de autonomia deliberativa", (sob o risco de vaias de toda espécie), e que procura representar quanto um indivíduo é apegado às suas convicções versus o influenciamento lateral pelos seus contatos - e portanto, agente redutor da exposição às mídias dominantes.

Acredito que aqui já chegamos numa profundidade suficiente para discutir a decepção como afeto fundamental neste processo: seja com candidato X, Y ou Z, seja com o sistema todo em si, seja como uma revisão do meu próprio comportamento na decisão passada sobre o meu voto de confiança em qualquer instância, posto que a decepção trata exatamente disto: coloquei meu voto de confiança aqui e me decepcionei.

E Kiko? Ainda não tenho claro o caminho, mas algumas luzes me guiam:
  • a vociferação corrente (em qualquer das direções) parece colaborar e muito nesta situação, diminuindo a energia necessária para controlar um grupo de tamanho relevante;
  • este processo parece realimentar ciclos polarizantes, cujo destino na maior parte das vezes tem cunho fascista (ou extremista, como dizem alguns);
  • numa perspectiva global (ou nacional), que contenha um número muito grande de indivíduos, haverá sempre novos entrantes no processo e mudanças de opinião de lado a lado, e o enrijecimento da polarização é interessante para retardar a mudança de sua própria estrutura 
  • o grupo que detêm a maior força no design do processo da decepção -coletiva e individual, e ainda na sua condução coletiva- terá enorme influência nas decisões públicas (portanto políticas), sob o menor custo possível sempre que dois grupos hostis entre si se equivalham em proporção.
Ficaram de fora para exploração futura: 
Os processos que demandam maioria qualificada, como são afetados nestas perspectiva?
E o que eu faço agora que a maior parte de meus contatos polarizados no fb já foram "expurgados"?