Sunday, March 25, 2018

A era das decepções - o que sobra depois da decepção?

Alguém que amo me decepcionou. Depois pediu desculpas -que aceitei, incluindo uma declaração de que o desculpava por o amar. Mas confesso que, ainda assim, sigo como que se estivesse encantado pelo sentimento da decepção...

Então me encontro na bifurcação: amo e quero conviver, mas não tenho vontade de me sentir decepcionado novamente, e daí procuro evitar a convivência.

Sem ingenuidades sobre as razões e fundamentos das decepções (que deverão ser tratados oportunamente), o caso é que alguém que amo fez alguma coisa que me ofendeu profundamente, por violar um princípio que eu considero (ou considerava até então) "sagrado" entre nós. E em seu pedido de desculpas o que veio foram as fundamentações de sua atitude onde, aqui numa super simplificação, o motivador de sua atitude que me decepcionou foi uma ofensa à ele -na verdade até bem pior: uma ofensa ao seu filho. Acho que dá pra encaixar aqui, ainda que não declarada assim, uma clara decepção que causei em meu amado neste episódio.

Outro alguém que amo me pergunta: "agora não é exatamente a hora do exercício da empatia e compaixão?"
Compaixão, no Aurélio sec XXI: "Pesar que em nós desperta a infelicidade, a dor, o mal de outrem; piedade, pena, dó, condolência." Não me sinto em falta de compaixão. A quantidade de vezes que choro ao me deparar com o sofrimento alheio e tal que as vezes acho que sofro de excesso, ou de falta de escoamento mais sadio para isto.

Não há falta de compaixão. O pesar que segue dentro da minha alma é enorme, apesar de o aceite do pedido de desculpas me ser sincero e profundo. E também sigo profundamente afetado pela dor que sinto ao perceber a dor dele e a dor deste seu filho, e em razão da qual, de uma forma ou de outra, sempre procurei nortear minhas atitudes dentro destas relações. Mas algo dentro ainda dói latejante.

Se realmente dei causa a uma ofensa (da qual também já pedi desculpas), a dor aparece onde fiz alguma coisa com determinado propósito e fui recebido com a percepção quase oposta ao propósito inicial, e portanto, desajeitado que sou, não tenho ânimo pra voltar a conviver antes de me melhorar a este respeito.

Se, por outro lado, a ofensa que senti veio por desajeito de meu amado, e ele tem uma justificativa aceitável pra ela (no caso a retribuição de uma ofensa), me envergonho ainda mais pela percepção de que meu amado me vê como alguém capaz de fazer alguma coisa reprovável com seu filho, ao ponto de o descontrolar.

Minha visão do perdão, alimentada pela antroposofia, pode ser vista mais ou menos assim: perdoar significa assumir o carma do outro, liberando forças espirituais cósmicas para tarefas voltadas ao futuro, e não compensatórias do passado. Não me sinto em falta de perdão. Desejo mesmo que ele siga em paz e serenidade pelo seu caminho, e onde for possível pra mim, assumir seu carma onde nosso encontro o pede, e mais ainda: quero fazê-lo. E talvez não fosse esta mesmo a intenção inicial da atitude que acabou gerando todo este imbroglio?

Então o que sobra depois da decepção?

Depois da decepção sobra inequivocamente o amanhã e todas as armadilhas das novas decepções que virão.

Para mim e este amado, resiste a necessidade de uma revisão em nosso acordo de convivência, onde as ofensas sejam melhor evitadas; e se percebidas, melhor enfrentadas. Mas até aqui ficamos apenas nas atitudes geradoras das decepções, enquanto ofensas percebidas. E todas as expectativas que formam a base das decepções?

Se não há desejo de conviver, talvez o tempo demande outras perspectivas. Talvez a vontade kantiana de enfrentar o dragão apesar do desejo contrário a isso seja o combustível pra o passo decisivo. Talvez somente a terapia possa dar conta desta situação.

Pra mim sobra o paradoxo da necessidade inexorável de entender melhor isso, talvez escrever mais, estudar mais, enfim, me preparar melhor para viver em um mundo onde eu acreditei que estaríamos sempre em processo de melhora continuada, e... me decepcionei!


                                       
Do livro O significado oculto do perdão, Sergei Prokofieff, Ed Antroposófica:
"
Ao abordar aqui o tema do perdão, objeto de pregações geralmente religiosas, Sergei Prokofieff extrapola o mero âmbito da salvação pessoal para adentrar o do individualismo ético, caracterizado por Rudolf Steiner em A FILOSOFIA DA LIBERDADE.


Ressaltando o fato de que perdoar significa assumir o carma do outro, liberando forças espirituais cósmicas para tarefas voltadas ao futuro, e não compensatórias do passado, o Autor nos faz refletir sobre o quinhão de egoísmo que normalmente alimenta as ofensas e ressentimentos alegados na recusa em perdoar.

Dando vários exemplos de pessoas que foram capazes de perdoar em situações terríveis, ele desafia a coragem para a auto-superação e o sincero empenho no desenvolvimento humano geral, com base no amor e na liberdade."