Monday, February 26, 2018

sobre minha mãe, para Elisa

eu gosto de ler as coisas que a Martha Medeiros escreve. Gosto mesmo.

Num mundo vociferante e dividido, acho que ela encontrou um lugar de escrita e compartilhamento que pra mim se revelou gentil, sensível e inspirador.E por isso mesmo fiquei com vontade de comentar um texto dela que me veio por grupo no whatsapp.

O tal texto tem como título "O mundo não é maternal" (link ao final) e vai tecendo com alguma leveza as comparações entre as preocupações e olhares "de mãe" e "do mundo". Todas as licenças poéticas são permitidas e aqui não estou para perturbar a ordem nem tirar a graça de quem gosta da Martha (eu gosto também, já disse!). Mas como tenho feito de meu tempo à escrita uma tentativa de contribuição para uma mistura mais bacana de um mundo à frente (e aqui já coloquei a minha licença poética em minha vidraça...)

E levando um pouquinho adiante a metáfora desta possível mistura legal, lembro que alguns temperos que usamos na cozinha simplesmente não vão bem com outros, seja por mistura de sabores, seja por incompatibilidade digestória ou outros conhecimentos ainda, mas que a minha experiência já registrou que não devo mesmo misturar algumas coisas que não me vão bem.
Aqui começa a aparecer o grande risco que pretendo expor: tem coisas que a gente não sabia antes que misturadas ficam super legais e acaba virando uma grande novidade (minha contribuição para a culinária alcoólica universal: gelatina feita com vodka; gostosinha, desce fácil e -cuidado- bate que é uma beleza...) Outras misturas só fazem mal pra algumas pessoas, enquanto outras podem até ser venenos pra uns e elixir pra outros, não é?
Então, na alquimia da mistura de pensamentos (e sua exposição, seja escrita ou em qualquer outra) oferece a quem lê imensas e maravilhosas possibilidades, potencializada quase ao infinito nas redes sociais e nestes tempos de comunicações 'fast food' tipo face book, whatsapp etc... Daí a virar pensamento e conclusão fast food é um passinho.

O saudável exercício da observação, releitura e crítica pode -e eu desejo e me esforço que seja- ser um tipo de bate papo pra gente olhar de novo a questão e afinar nosso olhar, nossa escuta e nossa fala, buscando compartilhar também as misturas que estão fazendo bem à nossa digestão social e outras que nem tanto...

Finalmente cheguei ao prato onde a mistura não bateu bem: generalizações do tipo "O mundo quer que a gente torre nossa grana", ou "O mundo nos olha superficialmente" vem sendo utilizada com muita frequência e com objetivos que já foram estudados: ao se generalizar desta forma estamos condicionando certas respostas em um nível de compreensão que dificulta, atrapalha e confunde uma (re)leitura da situação e seu consequente aprofundamento tanto em nós mesmos (que nos sentimos como que compelidos a nos vermos assim também), como aos demais (porque enquanto "o mundo é assim" ou nós não enxergamos direito o mundo que é assim, ou pior, o mundo é assim e eu é que sou defeituoso!).

Creio que entendo tanto o que a Martha quis dizer, como o que a Elisa quis repassar, mas preciso muito de  acreditar que o mundo não é assim. O mundo não é necessariamente assim. E se não é necessariamente assim, o mundo não é assim pra mim.
O mundo na leitura que faço deste texto, o mundo que ela construiu é o resultado de um sistema perverso e continuado que precisamos encontrar forças pra mudar. Estas forças são as forças individuais, claro, mas são também e principalmente as forças sociais que se organizam dentro do próprio sistema, por nós mesmos, mas sob um pressão enorme de interesses que ao fim e ao cabo, impedem que mudanças neste mesmo sistema aconteçam de forma mais profunda e mais rápida. E uma dos principais artifícios é justamente.... as generalizações deste tipo em textos pra todo gosto! Cuidemos pois! Não será nos voltando para nossas mães que iremos alcançar qualquer mudança significativa daquele mundo apresentado (exceção honrosa pras mães da praça de maio, exemplo de exigência de mudança no mundo que podemos contrapor). E teria mais, mas acho que chega né?

Então queridas Martha e Elisa, sem discordar do conteúdo e significado do texto, que tratando dos carinhos e preocupações das mães, me trouxe à lembrança episódio recente com minha mãe: em seus 92 anos de idade e já meio alquebrada (por este mesmo mundo) porém com um enorme e lindo sorriso, falou pra mim junto à um irmão: "querem um conselho: tenham filhos!"




O texto da Martha:
https://www.facebook.com/search/top/?q=%C3%89%20bom%20ter%20m%C3%A3e%20quando%20se%20%C3%A9%20crian%C3%A7a%2C%20e%20tamb%C3%A9m%20%C3%A9%20bom%20quando%20se%20%C3%A9%20adulto.

Aqui completo:
"O mundo não é maternal
É bom ter mãe quando se é criança, e também quando se é adulto. Quando se é adolescente a gente pensa que viveria melhor sem ela, mas é erro de cálculo. Mãe é bom em qualquer idade. Sem ela, ficamos órfãos de tudo, já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
O mundo não se importa se estamos desagasalhados e passamos fome. Não liga se virarmos a noite na rua, não dá a mínima se estamos acompanhados por maus elementos. O mundo quer defender o seu, não o nosso.
O mundo quer que a gente fique horas no telefone, torrando dinheiro. Quer que a gente case logo e compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos. O mundo quer que a gente ande na moda, que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito. Mãe também quer que a gente tenha boa aparência, mas está mais preocupada com o nosso banho, com os nossos dentes e nossos ouvidos, com a nossa limpeza interna: não quer que a gente se drogue, que a gente fume, que a gente beba.
O mundo nos olha superficialmente. Não consegue enxergar através. Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme, nosso abatimento. O mundo quer que sejamos lindos, sarados e vitoriosos para enfeitar a ele próprio, como se fôssemos objetos de decoração do planeta. O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.
O mundo quer nosso voto, mas não quer atender nossas necessidades. O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui. O mundo não tem doçura, não tem paciência, não pára para nos ouvir. O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução, mas não sabe nada dos nossos medos de infância, das nossas notas no colégio, de como foi duro arranjar o primeiro emprego. Para o mundo, quem menos corre, voa. Quem não se comunica se trumbica. Quem com ferro fere com ferro será ferido. O mundo não quer saber de indivíduos, e sim, de slogans e estatísticas.

Mãe é de outro mundo. É emocionalmente incorreta, exclusivista, parcial, metida, brigona, insistente, dramática, chega a ser até corruptível se oferecermos em troca alguma atenção. Sofre no lugar da gente, se preocupa com detalhes e tenta adivinhar todas as nossas vontades, enquanto o mundo propriamente dito exige eficiência máxima, seleciona os mais bem-dotados e cobra caro pelo seu tempo. Mãe é de graça.
ATENÇÃO: 
Martha Medeiros não participa de redes sociais. Todas as fanpages de Martha 
Medeiros na internet são gerenciadas por fans, assim como você."


sugestões de leitura:
Toda generalização é burra?
http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2013/06/4358/toda-generalizacao-e-burra/

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA DECRETAÇÃO DAS PRISÕES PREVENTIVAS COM FUNDAMENTO NA ORDEM PÚBLICA E O INTUITO DE MITIGAR O CLAMOR SOCIAL
http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2013/3-2.pdf


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