Friday, February 9, 2018

Desserviço

Assisto estarrecido o desenrolar de coisas que, para mim, estão razoavelmente evidentes - para quem deseja enxergar além da uma superfície bastante fina (apesar de uma qualidade desta superfície seja justamente se assemelhar ao "espelho" que a superfície da água apresenta, e que desafia olhar além para o outro lado desta mesma superfície....)
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Não gosto do conceito "valor agregado" pelo uso que o desgastou, pelo fato de demandar a definição de valor, e ainda pelo risco de uma interpretação corporativa, onde o termo se alastrou de forma insidiosa e atua de uma forma bastante doutrinária e míope, como se todas as atividades tivessem que agregar valor sempre, e, portanto, atividades como fazer coco seriam não agregadoras de valor...
Mesmo correndo estes riscos todos, vou usar o tal "agregar valor" numa tentativa de redução ao que podemos pensar em (re)construir da nossa sociedade: um valor que possa ser reconhecido honestamente por qualquer um como humano e relevante; e agregar como uma opção consciente de trazer à discussão alguma proposta ou argumento que foque no construir, em oposição ao destruir.
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Depois desta introdução grande, o tema que me traz se baseia na saída da filósofa Márcia Tiburi de um programa de rádio, como reação à chegada de Kim Kataguri no estúdio (links no final do post).
Resuminho: em estúdio, a filósofa e autora de alguns livros vê a entrada - sem ser avisada previamente - deste rapaz líder do movimento MBL, e ato contínuo, imediatamente se retira avisando que não compartilharia a mesa com ele. O "mediador" se desculpa em seguida, comentando que poderia ter avisado, e o programa segue (confesso que só vi este vídeo abaixo e portanto, somente o pedacinho que contém o evento narrado).
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Teríamos um montão de pontos pra desenvolver, mas vou ficar somente nos comentários, vociferações e comemorações que fervilham na rede sobre o fato de o livro mais conhecido da filósofa ter o título "Como conversar com um fascista" e a alegada contradição por ela se retirar, ao invés justamente de enfrentar e aproveitar a situação e por em prática suas idéias.
Não conheço a filósofa por mais do que uma rápida leitura justamente deste livro, que não me chamou especialmente a atenção pelo conteúdo, mas pela exposição do crescimento da "energia fascista" no mundo, no Brasil e entre jovens.

Um Bruno Marques (que confesso não conheço) publicou um extenso e bem articulado post no facebook recheado de citações filosóficas onde desconstrói a posição e a decisão dela de não seguir com um "debate" não previsto. Achei razoável a defesa dele, mas o ataque à índole da filósofa (e a escolha de exemplos óbvios) que evidencia sua posição política acende um alerta de posicionamento claramente... fascista!
E aqui está o cerne do desserviço do título, que tem pessoas como o Bruno (que tem argumentação sólida) e se espalha para pessoas (alguns meus amigos) com comemorações e execrações da filósofa baseados numa clara patrulha ideológica, que não respeita sua liberdade de escolher fazer o que bem entender, no caso a saída de uma condição que a ofendia, e da qual eu reconheço que tem este direito inalienável. Acrescento que pessoalmente também me frustrei, pois gostaria de ver este debate, mas isso não pode me levar a comentários desonrosos desta escolha, que por outro lado entendo também.

Para encerrar, o que mais me dói mesmo é ver amigos (amigos?) compartilhando e elevando o tom por uma postura fascista: isso realmente me preocupa muito neste momento de divisão visceral de nosso país.
Aqui vou simplificar com o tal paradoxo do Karl Popper (recomendo que encaminhem ao Bruno)

Da Wikipedia:
O filósofo Karl Popper definiu o paradoxo da tolerância em 1945 no volume 1 do livro The Open Society and Its Enemies:[1]
"Menos conhecido é o paradoxo da tolerância: tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto destes."
E pedir pra cada um dos que vociferam e comemoram (a favor ou contra o Sergio Moro), que parem e reflitam se suas atitudes estão contribuindo para construir ou para destruir em seu pequeno círculo de influência que angariamos no mundo.
E por fim, relendo o próprio Bruno, com cuidado e cautela, "Como você escolhe suas referências?"

video do fato:
https://www.youtube.com/watch?v=Wm4DSVVuJLE
Post do crítico embasado filosoficamente:
https://www.facebook.com/bruno.marques.585?hc_ref=ARQNz1rlbsV5IcUgpfK_XMfopj5cpLqIaq6-p59isg49oVT-mNSKHE-eRP3eBhxra3g&fref=nf&pnref=story

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