Friday, June 28, 2019

A destruição dos Afetos (ou os afetos da destruição?)

Onde estará a origem dos afetos e sua consequente destinação na construção das nossas relações íntimas?

Falo do dinheiro. Nem quando falo do falo sinto ter tamanha abrangência na potencialidade do afeto destrutivo. Aqui já abandono o ramo do debate que tem representado em seu centro todas as formas de misoginia e dominação de gênero. Quero focar no papel representativo do dinheiro nos micro círculos de poder.

A óbvia e intrínseca relação dinheiro / poder está na base mesmo do que quero refletir, mas a camada afetiva individual que reage violenta e rapidamente quando o assunto dinheiro vem à tona me parece  estar engrossando de uma forma ainda mais geradora de couraça do que outras do time dos tabus gerais da humanidade. Ninguém parece indiferente ao assunto.

Não vou nem me atrever a passar pelo Freud, nem mesmo pelo seu tranquilo de ler Mal Estar na Cultura, pois o que quero  refletir hoje é sobre como uma noite ótima pode, em questão de minutos, deitar ralo afora os afetos de companheirismo, solidariedade e até mesmo de reconforto pelas boas conquistas da vida, pelo assinto mais árido, universal e pantanoso que enfrento.

A delicada e sutil teia de afetos que nos ligam uns aos outros, tem na expressão do dinheiro um papel ao mesmo tempo delicadíssimo e extremamente rude para sua sustentação. Como reforço destes afetos vem toda a emoção da solidariedade, da confiança de que não deixarei nada faltar pra você (e vice versa), e em seu bojo, todas as formas de medo da falta material que podemos imaginar, e nossas condições de enfrentarmos isso juntos. Porém não é preciso esticar quase nada este fio para que a sentença "o que é meu, é meu; e o que é seu, é seu!" logo esteja presente no destramar deste fio e sua quase imediata evaporação.

Esta faceta trágica (e até engraçada, sob certos pontos de vista), é que o dinheiro presente (esse que eu e você temos na carteira e no banco) difere muito do "dinheiro futuro", para fins da teia afetiva que nos liga.
A simplificação possível dos afetos presentes e futuros deste assunto talvez nos ajude a compreender uma parcela importante de nossas relações mais próximas. Pensar no que ainda terei que obrigatoriamente dividir com você no futuro atravessa nossa relação de confiança mútua sobre nosso comportamento naquele momento futuro, e implica em possíveis mudanças imediatas no nosso  comportamento presente, reconstruindo (e mais frequentemente até: redestruindo!) a teia dos nossos afetos mútuos.

Não ignoro as ligações fundamentais deste tema com as análises do sistema capitalista vigente e todas as suas interpretações possíveis, mas reconheço que não tenho competência para adentrar este campo. E ainda que eu não acredite que esta dinâmica de afetos possa ser fundamentalmente modificada pela extinção da propriedade privada dos meios de produção, percebo a possibilidade de que a teia dos afetos possa ser redesenhada, e as relações individuais e compartilhadas relativas ao dinheiro pode representar um caminho possível. Diria até inexorável enquanto a moeda for regulada por qualquer banco central. Mas aí já é outro tema que venho desenvolvendo: as moedas sociais.

Então, como conclusão temporária do tema destes afetos, compartilho duas perguntas essenciais:

  • Será que justamente o aspecto da relação individual com o dinheiro não será o de maior relevância para a mudança que precisamos nos campos das mudanças sociais? 
  • Como reforçar nossa ligação afetiva de forma saudável, se quando falamos de dinheiro o assunto por si só dispara todo um potente mecanismo de auto defesa e desafeto instantâneo?







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