Partindo de um trecho do livro A sociedade dos indivíduos posso localizar um importante ponto de contato com as ideias que preciso desenvolver. O trecho:
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"o desenvolvimento da sociedade rumo a um nível mais elevado de individualização de seus membros abre caminho para formas específicas de realização e formas específicas de insatisfação, chances específicas de felicidade e contentamento para os indivíduos e formas específicas de infelicidade e incômodo que não são menos próprias de cada sociedade.
A oportunidade que os indivíduos têm hoje de buscar sozinhos a realização dos anseios pessoais, predominantemente com base em suas próprias decisões, envolve um tipo especial de risco. Exige não apenas considerável volume de persistência e visão, mas requer também, constantemente, que o indivíduo deixe de lado as chances momentâneas de felicidade que se apresentam em favor de metas a longo prazo que prometam uma satisfação mais duradoura, ou que ele as sobreponha aos impulsos a curto prazo. Às vezes elas podem ser conciliadas, às vezes não. É possível correr riscos."
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Elias posiciona a ação do indivíduo dentro do processo civilizatório a partir da dualidade eu/nós, e o processo de internalização dos controles sociais, no movimento preliminarmente do grupo (nós) nas comunidades mais primitivas, para as limitações e possibilidades das escolhas individuais (eu) nas sociedades industrializadas densamente povoadas, cujos "sentimentos da verdadeira natureza humana vão sendo crescentemente privatizados".
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Meu ponto:
Partindo da perspectiva dos processos de longa duração e das figurações elisianas, como as representações coletivas estabeleceram e mantiveram a matriz essencial sobre a forma em que as condições de riscos são percebidas, avaliadas, mensuradas e utilizadas nas decisões dos indivíduos, especialmente as decisões onde os riscos são majoritariamente partilhados (ie, as decisões coletivas por excelência, eg. eleições representativas, vacinação coletiva, etc).
Onde encontro essa linha de pensamento em Elias:
Em A condição humana Elias refere ao cálculo estratégico que se dissemina na sociedade de corte através dos domínios das pulsões e das formas de relações em transformação, no processo de transferência do controle do grupo para o indivíduo. Em Envolvimento e alienação Elias produz um mergulho nas condições sociais e psicológicas que possibilitam (ou possibilitaram) o distanciamento reflexivo necessário para a percepção e análise da barreira eu / nós da sociedade europeia, como matriz da sociedade ocidental contemporânea.
Em A busca da excitação aparece um revolver da atratividade que condições de risco oferecem nas sociedades contemporâneas, riscos envolvendo a si próprio e aos outros, onde as perspectivas de controle social precisam ser colocadas em perspectiva. E onde o risco se coloca como condição inerente de mediação das ações do indivíduo para com a coletividade.
Concluindo esse resumo, em Sobre o tempo aparecem conceitos importantes para o que chamo de ontologia do risco, que posso sumarizar em como as pessoas percebem e projetam os acontecimentos futuros, livro em que inaugura uma arriscada "quinta dimensão" social, entrelaçando sociologia e história de uma forma peculiar.
Como Elias chama a atenção em várias de suas obras, a filosofia parece querer tratar do mundo dos adultos sem quase nunca referir ao fato de que os adultos foram crianças anteriormente, e que o papel da socialização desse período é fundamental para o processo civilizador e para o processo de individualização (e eu acrescento: para as percepções relativas aos riscos individuais e coletivos)
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1. GPT: "a "quinta dimensão" de Elias transcende a noção de tempo cronológico ou objetivo; trata-se de um aspecto fundamental que influencia e molda as figurações humanas. É uma maneira de destacar que o tempo é tanto uma construção quanto uma força que regula o desenvolvimento da sociedade, os processos civilizadores e as dinâmicas entre o "eu" e o "nós"."
2. Numa visão marxista (mesmo que por ora superficial) podemos simplificar tudo isso em elementos da infraestrutura e da superestrutura, confere? Mas daí resta um clássico: onde estaria o ponto de ruptura onde pessoas e coletivos se quedam ao lado da conservação das situações de dominação, onde até o fim do mundo (risco supremo) é mais factível do que o fim do capitalismo? Ou em outras palavras: de que forma as percepções de risco são criadas e manipuladas com eficiência tal que indivíduos construam representações de risco tão grotescas e desajustadas com as evidências mais óbvias que pululam e abundam...?